sexta-feira, 7 de março de 2008

Parte II – Será que o Universo realmente conspira a seu favor?

Eu esperava postar a segunda parte de minhas reflexões sobre “O Segredo” neste sábado, dia 05/01, como tinha programado para o andamento do blog. Porém, o sucesso da reflexão anterior e a grande demanda pela segunda parte me fizeram antecipar. Quero agradecer aos meus novos amigos virtuais que gostaram do material do site e divulgaram pelos quatro cantos. Em especial ao Marco Aurélio, Mônica, Fernando Felix, e Suely da comunidade de Filosofia do Orkut.

Como havia previsto há alguns dias, ao chegar a Peruíbe, a sensação de parecer um antropólogo estudando os habitantes de minha cidade de criação aumentam dia após dia. Sinto-me o próprio Levi Strauss estudando uma sociedade indígena. Um pouco perdido, achando tudo muito exótico, novo, e buscando concatenar explicações racionais para dar sentido a realidade que se apresenta (como se realmente houvesse uma explicação racional para a realidade…). São os efeitos de uma trajetória existencial dedicada aos estudos abstratos e a academia.

Alguns de meus professores reproduzem constantemente a frase, “Se você se prender na realidade cotidiana, se deixar levar pela aparência vigente, e não buscar um olhar intelectual sobre o mundo, você vai emburrecer”. Concordo em parte com esta afirmação. Este “emburrecer”, no sentido mais figurativo dado a palavra, é um fenômeno que ocorre gradativamente com o indivíduo depois de formado que abandona a regularidade de seus estudos. Porém, a minha experiência formulou uma segunda máxima complementar, “Se você der demasiada importância aos estudos, e se fechar nos muros da universidade, vai se tornar um idiota”. O termo idiota não foi empregado no sentido figurado, mas no literal mesmo. Reforço o caráter etimológico da palavra, pois idiota vem do grego e tem o sentido de ilhado. Um idiota não designa somente o indivíduo que é alheio às discussões que dizem respeito à política, mas também aos que se afastam do cotidiano da polis (cidade Estado).

Certas instâncias sociais nos induzem ao isolamento de nossa participação nas tomadas de decisão referentes ao corpo social e até mesmo da nossa vida. Estas forças que nos coagem operam de diversas formas. Às vezes se instauram como ditaduras políticas que impedem o exercício da atividade dos cidadãos, perseguindo os direitos e liberdades individuais. Outras vezes aparecem mascaradas com o rótulo de “democracia representativa”, onde um grupo da elite econômica consegue patrocinar suas próprias campanhas e se elegem para governar a população em nome do próprio povo. Este fenômeno ocorre, por exemplo, no Brasil, onde os representantes da elite se elegem, buscam seus próprios interesses, e limitam drasticamente a participação do cidadão nas tomadas de decisões políticas. A única participação “direta” se dá nas eleições, onde elegemos o membro da elite menos pior para nos governar.

Por fim, existem as instâncias ideológicas que são criadas para nos auto impor limites. Os aparelhos ideológicos usados pelos dominantes é o método mais eficaz para se dominar as pessoas, pois dispensa o uso da força física e um controle austero para manter o status quo. Para o leitor que quer ter sucesso na vida é indispensável conhecer o funcionamento do discurso ideológico. Certos discursos religiosos, os meios de comunicação, a escola, e os diversos elementos culturais são os produtores e reprodutores da ideologia dominante. Veremos aqui como Rhonda Byrne e os homens bem sucedidos, guardiões do “Segredo” (The Secret), utilizam os discursos empregados nos livros e no filme para diminuir a capacidade das pessoas em tomar decisões importantes, de relevância social, e também de agir para melhorar a própria vida.

Vamos colocar algumas perguntas iniciais para desvendar este novo segredo: Por que as pessoas não se conscientizam da exploração que sofrem pelas leis da “Alienação” e da “Mais Valia”? Como uma coisa que parece tão óbvia passa desapercebida? Vou mais além e pergunto: Como as pessoas, após serem esclarecidas sobre sua condição de exploração, não querem ou não aceitam reagir? A resposta é: São os instrumentos ideológicos de dominação. Frase complicada para uma questão tão simples. Vejamos, caro leitor, como ela opera no discurso do “Segredo”.

Para os autores da teoria da Lei de Atração as coisas no mundo acontecem devido a ação do Universo. Para os filósofos e físicos do Segredo nós somos um punhado de matéria composto de energia, igual a todo o Universo. Resumindo, tudo no Universo é energia. Somos energia em interação com outras energias. Destarte, todas as coisas possuem uma conexão. Quando a nossa consciência deseja algo, e pede, o Universo capta nosso pensamento e realiza o desejo. Por isso eles dividem as atividades do pensamento em várias camadas que começa na consciência, passa pela mente objetiva, depois pela mente subjetiva e por fim chegam na mente Universal. Isto se dá graças a uma conexão constante entres estas esferas mentais e o Todo do Universo.

Esta imagem é ilustrada pelo filme “The Secret”. Lá os indivíduos passam a mentalizar desejos positivos e negativos, depois há uma animação simples mas bonitinha onde a cabeça do indivíduo emite ondas de comunicação para o Universo. Temos a impressão que o cérebro é um dispositivo wirelles em conexão com o todo poderoso Senhor do Cosmos. Enquanto os maçons chamam Deus de “O Grande Arquiteto”, a filosofia do “Segredo” concebe, nas entrelinhas, uma entidade suprema como um “Grande Servidor do Universo”. A “Lei da Atração” seria nada mais que um comando dado ao Servidor para que o Universo realize o download e a execução da operação desejada. Na filosofia acadêmica costumamos chamar esta perspectiva de visão do mundo de idealismo.

O problema do conceito de idealismo é a sua imprecisão na história da filosofia. Este conceito pode ter vários significados distintos. Um grande filósofo chamado Nicolai Hartmann publicou um belo livro intitulado “A Filosofia do Idealismo Alemão”, e logo na introdução ele adverte o leitor para o perigo do uso do termo idealismo. O idealismo cartesiano é distinto do idealismo de Berkeley, que por sua vez não tem nenhuma relação com o idealismo kantiano, que também não tem nenhuma tangência com o idealismo de Hegel, e assim por diante. O conceito de idealismo pode se referir a coisas totalmente distintas ou mesmo opostas. Para estabelecer um mínimo de coerência vamos chamar de idealismo a perspectiva dialética onde todo o movimento do mundo ocorre para se realizar uma determinada idéia. O mundo, nesta perspectiva, é movido visando realizar idéias perfeitas. Todo o Universo progride em torno de um Ser perfeito que é imaterial. Hegel chama este Todo Absoluto de Deus. Nesta perspectiva a revolução francesa só foi possível quando o homem atingiu a idéia de democracia, o mercado só evolui quando a escravidão cedeu lugar a idéia de liberalismo, as mulheres passaram a ter participação na sociedade quando os homens conceberam a idéia de direitos iguais para ambos os sexos, e assim por diante. Quando o homem concebe uma idéia, e a deseja, todo o Universo conspira para realizá-la.

Esta concepção idealista, oculta na filosofia de “O Segredo”, acostuma os homens a se posicionarem passivamente em relação ao mundo que os cerca. Tira do sujeito a consciência de que sua vida e sua felicidade é um produto oriundo de suas ações e não de entidades concebidas fora dele. Seguindo esta perspectiva quando a existência é abalada por situações ruins isto se deve graças aos maus pensamentos. Porém, quando uma coisa boa acontece passa a ser fruto dos pensamentos positivos e do uso da lei de atração. Seguindo passo a passo as idéias e a prática desta filosofia o sujeito, aos poucos, para de reclamar da vida. Deixa de ver o que lhe incomoda e se coloca como passivo em relação ao mundo que o cerca.

Sinto em lhe informar, meu caro leitor, que o mundo não é movido pelas idéias. O universo não é tão mágico como querem que você pense. A prosperidade, a justiça e o bem estar não surgem por obra do acaso, do Universo, de um Ser supra-sensível, ou das suas boas ações na Terra. As coisas só começam a acontecer quando você realmente age buscando o que deseja. É o que diz o materialismo dialético. Assim como o conceito de idealismo, o materialismo tem significados diversos e por vezes conflitantes na história da filosofia. O emprego do conceito de materialismo dialético denuncia o lado perverso do idealismo dialético e nos mostra que o mundo não é movido por idéias e sim por ações. São as práticas humanas, práxis, o verdadeiro motor do mundo. Segundo esta perspectiva as revoluções não ocorrem no intuito de satisfazer idéias, mas por causa dos homens que se unem e agem para mudar suas situações. A conquista das mulheres não veio do debate de idéias, mas pela onda de protesto que fizeram, por sua importância em relação ao mercado de trabalho e o seu papel na sociedade política e de consumo.

O mundo só muda quando os homens tomam atitudes. A vida de uma pessoa não muda simplesmente por causa de uma idéia, ou na espera de alguém, ou algo, que mude. A existência só se transforma quando agimos para realizar o que queremos. Quando deixamos de confiar na esperança e no futuro incerto. A ideologia dominante, a mesma contida em “O Segredo”, torna o sujeito passivo em relação aos acontecimentos do mundo. No exemplo dado no filme sobre o homossexual que era humilhado pelos colegas de serviço, que sofria violência de um grupo na rua, e tinha problemas financeiros, a resposta oferecida foi “pensamento positivo”, “confiança”, “usar a lei de atração” e tudo se resolverá com o tempo. A resposta que deveria ser dada é “Faça alguma coisa!”. “Denuncie seus colegas de trabalho aos superiores, e se não resolver exponha publicamente a perseguição feita pela empresa”. “Exija um salário justo”. “Vá a policia e denuncie o grupo de agressores que o persegue na rua”. “Se filie, ou forme, um movimento de direitos”. “Mexa-se!”. Porém, é obvio que o sistema capitalista, tal como ele funciona, não vê essas atitudes com bons olhos. O que aconteceria se as pessoas exigissem todos os seus direitos, igualdade e justiça? O sistema entraria em colapso. O sistema de alienação e mais valia poderia desaparecer. Logo, é preferível agir como o homossexual do filme e fazer as pessoas esperarem que “tudo se normalize”, que o “tempo passe”, e que os homens “se conformem” com os pequenos ganhos que terão por serem pacientes.

Como membro da Escola Pessimista de Peruíbe tenho que lhe dizer, meu caro leitor, que o “Universo”, o “Mundo” que nos cerca, é para nós “dor e sofrimento”. Se o mundo fosse tão bom como dizem você não nasceria chorando. Para ser um homem de sucesso é preciso enxergar esta armadilha oculta no discurso dos filósofos do “Segredo” e criar coragem para agir. Quem deve esperar por um milagre do Universo são os dominados pelo sistema e não você que quer ser dominante.

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