domingo, 28 de outubro de 2007

A verdadeira história da criação


Era uma vez um ser super poderoso, absolutamente perfeito, cheio de amor para dar. Só existia ele no universo. Ou melhor, o universo ainda não existia, então só existia ele mesmo e mais nada. (Podem imaginar o tédio?) Ele era onipotente, onipresente (apesar de não haver nenhum lugar para ele estar presente) e onisciente (apesar de não haver nada para ele saber). Depois de uma eternidade de tédio absoluto, Ele resolveu criar algumas criaturas para Lhe fazer companhia e para louvá-Lo e glorificá-Lo e adorá-Lo. Afinal, um ser perfeito precisa que alguém reconheça Sua perfeição e O louve e O adore e O glorifique o tempo todo, não é mesmo?

Como ser perfeito, com certeza sua criação seria perfeita. E foi. Criou seres maravilhosos, seres de luz, puros, perfeitos, a que chamou de anjos e cuja função era apenas adorar e glorificar seu criador, para todo o sempre. Eram tão perfeitos que um deles quis se igualar ao seu criador que, não admitindo concorrência, o expulsou do paraíso, juntamente com seus amigos. Mas, como o Criador é todo amor, não destruiu Sua criatura rebelde, Seu bem-amado anjo perfeito, mas criou especialmente para ele e seus amigos um lugarzinho especial para passarem a eternidade, onde o calor do Seu amor por eles era tanto que até pegou fogo. E essas pobres criaturas, antes perfeitas, após terem cometido um único erro, passaram para o outro extremo e se tornaram a encarnação do mal absoluto, em todas as suas formas. Haveria neles, desde o começo, algum mal que foi estimulado a crescer, pelo castigo que receberam? Impossível, pois eles foram criados por um ser perfeito, que é só amor. Então, de onde teria vindo esse mal, afinal? Teria todo esse mal em que se tornaram, nascido assim do nada? Mas tudo bem pois, como o Criador é onisciente, ele já sabia que tudo isso ia acontecer antes mesmo de começar Sua criação, então com certeza tudo isso estava de acordo com Seus planos. A maioria dos anjos não seguiram o rebelde e continuaram lá, no paraíso, entoando cânticos de louvor a seu criador.

O Criador, não satisfeito com Sua primeira experiência criacionista, resolveu tentar de novo e criar outras criaturas, à Sua imagem e semelhança, portanto quase tão perfeitas quanto Ele. Criou então um homem e uma mulher e os colocou no paraíso, juntamente com outras criaturas inferiores, que criou para servir de alimento aos seus preferidos. Claro que ele poderia te-los criado vegetarianos, assim não precisariam provocar dor e sofrimento a outros seres vivos, para se alimentar. Sendo onipotente, poderia te-los criado capazes de se alimentarem da luz. Mas, como o Criador é perfeito e fez as coisas assim, então certamente causar dor e sofrimento a outro ser vivo faz parte da perfeição e do amor infinito. Depois de algum tempo, como estava tudo muito “perfeito” e entediante no paraíso, o Criador resolveu mudar algumas coisinhas. Tendo criado o homem com o dom da curiosidade, colocou lá uma árvore e o proibiu de comer dos seus frutos, dizendo-lhes que se os comesse morreria, o que não era bem verdade, pois estes lhe dariam o conhecimento do bem e do mal. Alguma coisa deve ter dado errado com a primeira mulher criada, pois o Criador precisou criar outra. Como o homem apresentava um defeitozinho de fabricação, coisa pouca, apenas uma costela a mais de um lado, o Criador resolveu, digamos, “matar dois coelhos com uma só cajadada” e arrancou a costela extra, fazendo dela uma mulher.

Passado algum tempo, como o homem e a mulher estavam resistindo bravamente à tentação de comer os frutos proibidos, estava tudo meio parado no paraíso. Então, para animar um pouco as coisas, o Criador deu permissão e poder ao Seu ex-anjo predileto/atual-inimigo para tentar convencer suas novas criaturas a quebrar a regra e comer o fruto proibido. Claro que, sendo onisciente, Ele já sabia tudo que ia acontecer, mas mesmo assim resolveu “testar” suas criaturas. Então, quando eles realmente cederam à tentação e desobedeceram, comendo os frutos, exatamente como Ele sabia que fariam, Ele os expulsou do paraíso. Achando isso pouco como castigo, Ele criou para eles algumas regras quase impossíveis se cumprir, pois iam contra a natureza das criaturas, natureza essa que Ele mesmo lhes havia dado, quando as criara. À desobediência dessas regras, Ele chamou de pecado e condenou Suas bem-amadas criaturas e toda sua descendência a já nascer em pecado. Como castigo, os pecadores deveriam ir fazer companhia ao Seu ex-amado anjo, em meio ao calor de todo Seu amor, por toda a eternidade. Como Ele havia criado apenas um casal e lhes dado ordem para se multiplicar e povoarem a Terra, agora Ele decidiu que o relacionamento entre irmãos ou entre genitores e filhos seria pecado.

Mais tarde, quando as criaturas já tinham se multiplicado, só Ele sabe como, e povoado várias regiões, um dia, após um cochilo de alguns séculos, o Criador se deu conta que, de todo aquele povo que já tinha vivido e morrido, nenhum tinha ido para o paraíso, louvá-Lo e adorá-Lo. Todos tinham ido parar junto ao Seu ex-bem-amado anjo, lá naquele lugarzinho quentinho e aconchegante. Só os anjos fiéis a Ele continuavam no paraíso e, para falar a verdade, Ele já estava cansado das mesmas vozes dos mesmos anjos a entoar os mesmos cânticos de louvor a Ele, século após século. Ele queria vozes diferentes, seres criativos que inventassem cânticos novos, ritmos mais animados. Depois de pensar bastante a respeito, O Criador percebeu que, quando inventara regras muito duras que iam contra a natureza das criaturas, Ele exagerara na dose e ninguém conseguia viver sem pecado. Ele tinha que fazer alguma coisa a respeito. Então, teve uma idéia. Escolheu alguns de uma determinada região, e decidiu que esses escolhidos seriam Seus prediletos, Seus bem-amados filhos e os chamou de “Seu povo”. Aos outros todos Ele os entregou ao ex-anjo, com todos os direitos sobre suas almas. Então passou a se comunicar com os Seus escolhidos, e lhes ordenava que guerreassem e matassem as Suas outras criaturas, geralmente com requintes de crueldade, incluindo na matança as mulheres e as crianças. Na melhor das hipóteses, Seu povo podia deixar vivas as meninas virgens, para lhes servir de escravas sexuais. Provavelmente o Criador achou que assim eles poderiam exercer a sua natureza violenta sem pecar, pois estariam obedecendo Suas ordens.

Depois de se divertir um pouco com as matanças por Ele ordenadas, o Criador se retirou para mais um cochilo de alguns séculos, na certeza de que, quando acordasse, teria gente nova no paraíso para adorá-Lo e glorificá-Lo. Mas, quando acordou, ficou muito frustrado ao ouvir as mesmas vozes de sempre, entoando os mesmos velhos cânticos de louvor. Não havia uma só alma nova no paraíso. Depois de pensar por algumas décadas tentando descobrir o que dera errado, o Criador finalmente se lembrou que, quando expulsara o primeiro casal do paraíso, Ele condenara toda sua descendência a já nascer em pecado. Assim, mesmo que uma das criaturas conseguisse viver sem pecado, não iria para o paraíso. Até mesmo as criancinhas iriam direto lá para baixo, para o calor do Seu amor, com o ex-anjo.

Percebendo Sua divina mancada e não agüentando mais o cânticos monótonos dos anjos, o Criador se pôs a pensar numa maneira de dar às suas criaturas uma chance de se salvarem. Como Ele é perfeito e não se arrepende e Sua palavra não volta atrás, não podia simplesmente perdoá-los, assim do nada. Então Ele pensou bem e bolou uma estratégia. Escolheu uma menina virgem e pura dentre Seus escolhidos, dividiu-se em dois, sem deixar de ser um só, e por meio dessa segunda parte d´Ele mesmo a que chamou de Espírito Santo, usando Seu poder infinito, engravidou a menina, que passou a gerar em seu ventre uma terceira parte d´Ele mesmo, a que chamou de Filho, e a Ele mesmo chamou de Pai.

Daí em diante passou a se comunicar com Seu povo apenas através da sua parte chamada Filho, dizendo-lhes que tinha vindo para se sacrificar por eles, e apenas quem acreditasse n´Ele se salvaria e iria para o paraíso, onde ficaria até o fim dos tempos entoando cânticos de louvor a seu Pai, que era Ele mesmo. Para que acreditassem no que Ele (Filho) dizia, fez algumas coisas fantásticas aqui e ali, curou alguns doentes, amaldiçoou e secou árvores porque se atreveram a não ter frutos fora de época para alimentá-Lo, torturou e matou milhares de animais para salvar uma de Suas criaturas preferidas dos amigos de seu ex-anjo, e otras cositas más, como viver sem trabalhar e não passar fome. No final, depois de prometer que voltaria para levar com Ele aqueles que acreditassem n´Ele, condenou um pobre coitado Seu seguidor ao fogo eterno, pois precisava de alguém que O traísse e O entregasse para ser morto, para cumprir Seu propósito de impressionar as criaturas. Então, depois de se divertir um pouco com o sofrimento e a dor impostas a Seu filho (que era Ele mesmo), o Criador se retirou para mais um cochilo de alguns séculos, com a certeza que, quando acordasse, haveria novidades no paraíso. (Como vimos até agora, causar dor e sofrimento a outro ser faz parte da perfeição e o do amor, pois o próprio Criador, que é perfeição e amor infinitos, causou dor e sofrimento até a Si mesmo.)

Alguns séculos depois o Criador acordou e se surpreendeu ao ouvir os mesmos cânticos monótonos de sempre. A única diferença eram algumas vozes novas. Poucas. Então lhe contaram o que havia acontecido. O problema foi que poucas criaturas acreditaram no Seu filho e na história d´Ele. E os poucos que acreditaram e foram para o paraíso não eram lá muito criativos, não tinham nenhuma capacidade para inovar ou tentar mudar alguma coisa, na verdade nem conseguiam pensar por si mesmos. Tudo que conseguiam fazer era seguir os anjos e imitar tudo que eles faziam, inclusive os cânticos. Assim, nunca lhes passou pela cabeça a idéia de criar um cântico novo ou um novo ritmo, ou o que quer que fosse.

Depois dessa, o Criador desistiu de vez. Como não agüentava mais aquela cantoria, usou Seu poder infinito para criar outro universo e se mudou para lá, juntamente com as outras duas partes de Si mesmo, deixando Suas pobres criaturas abandonadas, a contar histórias sobre Ele e a esperar pela Sua volta, que certamente nunca vai acontecer.

FIM